Você já ouviu falar sobre hackathon? Essa palavrinha em inglês, que tem conquistado espaço no vernáculo de empresas e universidades ao redor do mundo, deriva das palavras hack (programar) e marathon (maratona). O termo tende a soar mais familiar para aqueles que circulam na área de tecnologia e entre startups. Acontece que, nos últimos cinco anos, as hackathons extrapolaram o campo da programação, invadindo inclusive áreas criativas e de negócio. No centro de toda hackathon está a cultura do aprendizado coletivo, com foco no compartilhamento de informações. Não raramente, os resultados dessas maratonas são disponibilizados gratuitamente na internet. A ideia é que, ao dividir problemas e conhecimento, melhores soluções surgirão. Além disso, as hackathons promovem uma espécie de chacoalhão corporativo, levando executivos a repensarem a maneira como lidam não só com a tecnologia, mas com os múltiplos desafios da vida profissional.
A lista de quem já surfou essa onda não é pequena. Coca-Cola, L’Oréal, Dafiti, C&A, Facebook, Google e Uber são algumas empresas que se valeram de maratonas criativas para desenvolver soluções e ampliar a entrega de produtos e serviços melhores.
Mas como uma reunião de programadores pode mudar os rumos da sua empresa? De que maneira uma hackathon pode ser útil a negócios cujo foco não é necessariamente a tecnologia? E sobretudo: essa maratona se encaixa na realidade da sua organização? Antes de responder a essas perguntas, é preciso entender um pouco mais sobre o surgimento das maratonas hackers e o seu maior objetivo.
Primeiros códigos
As primeiras hackathons remontam à década de 1990. O grande número de empresas de tecnologia instaladas no Vale do Silício levou às primeiras reuniões de programadores. Na época, era comum os desenvolvedores se reunirem para “codar” (criar códigos de programação), comer junk food e se divertir enquanto exploravam oportunidades e falhas em sistemas. Por um bom tempo, essas pessoas foram chamadas de hackers. Apesar da conotação negativa da expressão, os hackers apenas buscavam explorar novas possibilidades e compartilhar conhecimento.
À medida que o tempo passou, executivos da área de TI começeram a perceber o potencial desses encontros. Foi assim que, aos poucos, o ambiente corporativo e o mundo digital estreitaram relações. As hackathons surgiram como uma intersecção desses dois públicos, adicionando de forma crescente outras áreas importantes – como especialistas em user experience (UX), pessoal de negócios, marketing e vendas. Quanto mais trocas as equipes faziam, melhores eram os resultados.
Foi uma mudança de paradigma. “No passado, os líderes das empresas baseavam suas decisões no conhecimento que eles próprios tinham adquirido ao longo do tempo”, escreveu Diego Dzodan, então vice-presidente do Facebook e Instagram na América Latina, em uma análise publicada em 2018 no jornal Valor Econômico. “Hoje, com o conhecimento espalhado e com pessoas altamente especializadas, estratégias de colaboração como hackatons permitem aos líderes juntar as mentes mais brilhantes de diferentes áreas para solucionar desafios para os negócios.”
Escalada tecnológica
Hackathons também podem significar um momento de discussão tecnológica de alto nível. Para que iniciativas assim sejam bem-sucedidas, é preciso delimitar um objetivo claro, apresentando-o na forma de problema a ser resolvido. Para tanto, é fundamental conhecer o nível de transformação tecnológica do negócio. Após esse diagnóstico, chega o momento de delimitar a pergunta que norteará a maratona. Lembre-se de que essa é a ocasião ideal para refletir sobre problemas reais. Por isso, não são apenas os especialistas de programação os convidados a participar dos eventos. Aliás, profissionais de áreas como marketing, negócios e design costumam se destacar nas maratonas.
“Gosto sempre de fazer uma provocação para os clientes: ‘por que você está fazendo uma hackathon?’ A resposta precisa ser muito clara. Caso contrário, o cliente não receberá um retorno à altura do investimento”, diz Rodrigo Terron, CEO e fundador da Shawee, startup especializada na organização de hackathons. No portfólio, a Shawee carrega marcas como Globo, Uber, Itaú, Quinto Andar e Santander. Em 2019, a empresa liderou 135 maratonas para organizações de todos os portes e regiões do Brasil. A meta, segundo Terron, deve ser sempre a mesma: gerar coletivamente as respostas mais econômicas e inteligentes para o desafio proposto.
Cabe lembrar que uma hackathon de sucesso não traz, necessariamente, uma solução pronta. Em vez disso, aponta novas possibilidades. Caso a necessidade seja buscar a resolução de um problema muito específico do negócio, a dica é contratar uma consultoria externa na área que a empresa mais precisa. “Hackathons também servem para você sair com ainda mais perguntas do que quando entrou”, ressalta o CEO da Shawee.
Quem ganha
O cenário colaborativo é altamente favorável não apenas para os negócios como também para as equipes que dão vida às organizações. Com frequência, os colaboradores se sentem mais motivados e melhoram o desempenho no trabalho após participarem de hackathons. Entre as vantagens está a mudança de mentalidade que o evento gera nos profissionais. Se para as empresas uma hackathon funciona como um acelerador de ideias de alto nível, para os participantes os eventos podem ser a chance de pivotar suas carreiras. O networking entre quem participa e os mentores costuma ser rico e, com frequência, as companhias utilizam as maratonas para sondar talentos. Isso sem mencionar as premiações, algo que pode ajudar qualquer empresa a atrair algumas das mentes mais brilhantes do mercado.
Felipe Nogs é analista de marketing da UOL EdTech e venceu a etapa de Porto Alegre da Uber Hack 2019 – hackathon do aplicativo de transporte que também foi realizada em outras capitais. Nogs e seu time foram desafiados a criar um projeto com potencial de melhorar a mobilidade urbana. As ideias não precisavam estar integradas ao aplicativo da Uber – o objetivo era fomentar a discussão sobre o tema, convidando à reflexão uma comunidade apaixonada por tecnologia.
Ele lembra que o processo foi intenso e desgastante. Houve momentos em que seu time pensou em desistir. Entre idas e vindas, Nogs lembrou do movimento Vamos Juntas?, criado pela jornalista Babi Souza. O objetivo era unir mulheres para percorrer trajetos a pé em dupla ou em pequenos grupos, a fim de aumentar a segurança. “Entrei em contato com a Babi e pedi a permissão para partirmos dessa ideia para criar a nossa solução”, lembra. Depois de quase 30 horas de trabalho, surgiu um app chamado Vai com as outras. A banca julgadora, formada por especialistas da Uber, players do mercado e membros do poder público, considerou a ideia a mais bem-estruturada. Como prêmio, Nogs e os colegas levaram R$ 10 mil, além de R$ 5 mil em créditos no aplicativo.
A Uber não estava, necessariamente, em busca de uma solução. Queria, na prática, convidar as pessoas a refletirem sobre suas próprias cidades. “Usamos a Uber Hack para conhecer de perto talentos que estão dispostos a pensar o futuro da mobilidade para, quem sabe, convidá-los a se juntar ao nosso time”, diz Crislaine Costa, gerente de Comunicação da Uber no Brasil.
Por onde começar
Ok, são muitos os pontos positivos. Mas a hackathon é para todos? Ao considerar a ideia, a dica é fazer uma boa pesquisa de benchmark. Afinal, a natureza da atividade inclui o aprendizado coletivo. Quanto mais fechado for o evento, portanto, menos proveito empresas e participantes tirarão dele.
Às vezes, ao olhar em volta, é possível encontrar uma necessidade muito maior do que se imaginava. É assim que surgem hackathons que unem várias empresas. A Shawee, por exemplo, recentemente assessorou um projeto de hackathon jurídico, unindo diversos escritórios de advocacia.
E quanto custa evento assim? Não é barato. As maratonas tendem a ter uma duração mínima de 24 horas, podendo ocorrer por dias ou mais. Nesse tempo, os times trabalham em tempo integral. Quando feitas presencialmente, hackathons exigem o aluguel de um espaço, fornecimento de equipamentos, alimentação, segurança e infraestrutura. Além disso, é preciso considerar questões de logística – como a organização de agendas de jurados e mentores convidados.
Um evento presencial de médio porte exige um investimento estimado superior a R$ 120 mil, incluindo as premiações. Uma cota de patrocínio em uma maratona de programação coletiva gira em torno de R$ 25 mil. Já um evento realizado exclusivamente em ambiente digital não sai por menos de R$ 70 mil, segundo cálculos aproximados da Shawee. Para reduzir custos, é possível buscar parcerias ou mesmo promover eventos 100% online. Patrocinadores dos mais variados segmentos têm se interessado em marcar presença em hackathons. Além disso, empresas que atualmente já fornecem serviços de tecnologia para as organizações podem se revelar grandes apoiadores. Outra possibilidade é buscar apoio em instituições de ensino e órgãos públicos. E aí, vai maratonar?
As etapas de uma Hackathon
Briefing
É o ponto de partida dos desenvolvedores. A empresa apresenta o desafio proposto e explica suas necessidades. O objetivo deve ser claro e executável dentro do tempo previsto.
Organização dos times
Os participantes são distribuídos em grupos mistos que podem reunir programadores, especialistas de marketing, negócios, design e vendas. Todos começam a trabalhar juntos para criar possíveis soluções.
Tempo
Tradicionalmente, as hackathons são realizadas num período mínimo de 24 horas. O mais comum, porém, é que os eventos durem de dois a três dias. A ideia é que os times permaneçam juntos.
Rodadas de mentoria
Um grupo de facilitadores convidados orienta o processo criativo dos times, respondendo dúvidas dos participantes e garantindo que os projetos estejam de acordo com o briefing proposto.
Feedback e evolução
Ao longo do desafio, os times devem testar suas soluções em diferentes cenários, avaliando sua viabilidade e execução dentro do tempo que resta.
Apresentação
No fim do evento, os times defendem suas ideias para um painel de jurados especialistas. O tempo é curto é deve ser usado para destacar os pontos fortes da solução e a maneira de executá-la.
Premiação
A recompensa para o time vencedor pode ser financeira ou algum tipo de experiência – como viagem, participação em eventos internacionais ou até uma proposta de trabalho ou parceria.
Você conhece a sua empresa?
Antes de promover uma hackathon, avalie a maturidade tecnológica de sua empresa:
Estágio 1: Explorando possibilidades
Nesse momento, a hackathon funciona como um grande brainstorm, permitindo a troca com pessoas de fora da organização. O objetivo é iniciar um movimento de transformação digital. Muitas vezes, são negócios ainda não disruptados – geralmente por se tratar de empresas mais focadas em produto. Aqui, vale usar a hackathon como um momento para pensar novos modelos de negócio, explorar tecnologias e solidificar parcerias.
Estágio 2: Encarando desafios
ara quem já mergulhou mais fundo na área de tecnologia, promoveu mudanças internas que priorizam novos métodos de trabalho e já faz uso de uma metodologia ágil, a hackathon vem para acelerar e validar processos. Empresas que deram início ao processo de transformação digital costumam gerar muitas hipóteses. Essas múltiplas possibilidades podem ser debatidas, consolidadas e validadas dentro de uma hackathon.
Estágio 3: Em busca de novos talentos
Nesse estágio, o seu negócio já tem ações concretas e estratégias focadas na área digital, assim como entende o mercado em que está inserido. Agora, você precisa garantir que os melhores profissionais da área de TI estejam no seu time. A hackathon surge como uma possibilidade de fortalecer o selo de “marca empregadora”, auxiliando no processo de recrutamento e seleção de novos talentos.
Colaboradores motivados
Geralmente, quem participa de uma hackathon está em um momento de transição na carreira. listamos algumas vantagens que esse tipo de iniciativa pode trazer para o currículo
• É um facilitador para o desenvolvimento de novas habilidades.
• Possibilita o networking com pessoas de todos os níveis do mercado, de estagiários a CEOs.
• Coloca no seu portfólio a entrega de um projeto para uma grande empresa.
• É um local seguro para experimentar e errar sem medo.
• Serve como termômetro para medir sua capacidade de lidar com
situações desafiadoras do mercado de trabalho.
• Você aprende a atuar em múltiplas funções, como gestão de times, coordenação de projetos
e apresentação de pitch.
Back do Hack: três décadas de hackathons
Publicado na 2ª edição da Revista 20/30. Baixe a versão digital aqui.